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“Sete Santos Sem Rosto”, de M. K. Lobb

Writer: LiteristóriasLiteristórias

Por Luan de Melo Xavier¹

 

O livro “Sete Santos sem Rosto”, de M. K. Lobb, apresenta elementos essenciais a um bom romance de fantasia: magia, mistério, rebeliões sociais, conflitos bélicos e personagens moralmente ambíguas. Como primeiro volume de uma possível duologia, a obra se destaca não apenas pelo enredo dinâmico e suas reviravoltas, mas também pela profundidade das questões abordadas.

O enredo é ambientado na fictícia Ombrazia, uma cidade-estado governada por santos e seus seguidores, indivíduos que compartilham a magia de seus santos ascendentes, o que lhes confere o status de “abençoados”. Ao observar esse sistema, o leitor logo percebe a existência de uma classe desfavorecida, composta por aqueles que são desprovidos de magia e que, em razão disso, são obrigados a viverem à margem da sociedade. A condição precária em que se encontram acaba por gerar uma crescente sensação de indignação. E, após uma série de assassinatos ocorrerem em diferentes pontos da cidade, as corrupções desse sistema sócio-político começam a ser expostas.

Nesse contexto, são apresentadas as personagens centrais da trama, entre elas os protagonistas Damian Venturi e Roz Lacertosa, que, à primeira vista, parecem ser como água e azeite. Embora ambos tenham enfrentado experiências traumáticas semelhantes, suas respostas a tais vivências são diametralmente opostas. Damian, como oficial e responsável pela segurança do Palazzo – local onde vivem os oficiais e os discípulos escolhidos para representar os santos – encontra em seu cargo um meio de superar sentimentos de raiva, culpa e fragilidade. Roz, por sua vez, transforma sua raiva e seus traumas em força motriz para integrar-se ao grupo de rebeldes que busca derrubar o governo corrupto e injusto da cidade-estado, dedicando-se incansavelmente à luta por justiça. Agora, após um longo período de afastamento, Damian e Roz se reúnem com um objetivo em comum: solucionar os assassinatos que estão abalando Ombrazia. No entanto, esse reencontro revive episódios traumáticos do passado, ainda não superados, incluindo a paixão que nutriram um pelo outro na adolescência.  

Feita essa breve introdução ao universo e aos personagens centrais de “Sete Santos sem Rosto”, é relevante comentar dois dos temas que mais me chamaram a atenção. Como mencionei anteriormente, o sistema sócio-politico que rege Ombrazia é corrupto e hierárquico, estruturado por um conjunto de normas que favorecem exclusivamente um grupo específico de pessoas, os “abençoados” pela magia. A marginalização de parte da população ocorre por meio de um processo complexo e multifacetado, envolvendo dimensões políticas, sociais, econômicas e raciais. No nosso mundo contemporâneo, é possível observarmos situações análogas às apresentadas pela autora M. K. Lobb em seu romance. Um exemplo palpável para nós, brasileiros, é o das periferias das grandes cidades, onde uma parcela significativa da população vive à margem da sociedade e tem seus direitos fundamentais negligenciados, como saneamento básico, saúde, educação e segurança de qualidade.  

A forma como Lobb constrói Ombrazia permite, então, que seus leitores analisem o romance por meio de lentes e conceitos teóricos das ciências humanas, ao mesmo tempo em que melhor compreendem problemas sociais reais à luz das experiências de Damian, Roz e os demais personagens. A situação dos menos favorecidos, por exemplo, pode ser interpretada a partir do conceito de necropolítica, desenvolvido por Achille Mbembe. Para esse filósofo e cientista político camaronês, a necropolítica diz respeito à forma como o poder político pode controlar e organizar a morte, determinando quem tem o direito de viver e quem é relegado à marginalização e/ou ao extermínio.

Exclusão de determinados grupos sociais frequentemente desencadeia revoltas e rebeliões, um aspecto que também se faz presente no romance. É sempre interessante observar as etapas de uma revolta social, desde sua formação – impulsionada pela opressão exercida por aqueles que negligenciam o bem-estar de parte de uma população – até os seus desdobramentos. A jornada de Roz e os objetivos compartilhados pelos rebeldes na busca por uma sociedade mais justa ilustram com clareza como esses movimentos se formam e por que são legítimas as práticas de resistência contra um sistema político opressor.

Outros destaques estão na habilidade de M. K. Lobb em conferir tons sombrios ao seu universo de fantasia por meio de uma escrita envolvente e a preocupação de inclusão de personagens demissexuais e LGBT+, o que reflete certo compromisso da autora com representatividade e diversidade. Além das críticas sociais a problemas ainda presentes nas sociedades do século XXI, um dos pontos altos do romance é a estrutura narrativa alternada, com capítulos narrados ora pela perspectiva de Damian, ora pela de Roz. Esse recurso é essencial para uma compreensão ampla dos eventos e sob diferentes pontos de vista.  

Por essas razões, “Sete Santos Sem Rosto” tem potencial para cativar leitores interessados em romances de fantasia com temática política. Trata-se de uma obra instigante, ambientada em um universo vasto, e composta por lacunas que, sem dúvida, serão preenchidas na continuação. Tudo isso garante ao leitor aquela irresistível sensação de querer ter logo em mãos o próximo livro.


¹ Luan de Melo Xavier é graduando em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Contato: luankg44@gmail.com

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