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“Mrs. Dalloway”, de Virginia Woolf

Writer: LiteristóriasLiteristórias

Updated: Jan 13, 2022

Por Elisielly Falasqui*

“Mrs. Dalloway” começou a ser redigida por Virginia Woolf em 1922, com base em contos anteriores (e em uma ideia já muito mais antiga, concebida vinte anos antes: de personagens que parecem estar cada vez mais perto, mas que nunca se encontram), e foi publicada pela primeira vez em 1925, simultaneamente na Inglaterra e nos Estados Unidos. Nessa obra, acompanhamos um dia na vida de Clarissa Dalloway, uma socialite britânica, no pós-Primeira Guerra Mundial, mais especificamente em 1923.

Mas a narrativa não apenas extrapola os limites da personagem (e da voz narrativa) principal, nos fazendo entrar em contato íntimo com personagens até mesmo aleatórios, que apenas estão de passagem por alguma rua de Londres, como também extrapola os limites temporais de um dia. Afinal, é possível falar de apenas um dia na vida de alguém? Virginia Woolf parece querer nos mostrar que não, porque muitos outros dias compõem nosso presente. E eles são mobilizados em fragmentos, lembranças disparadas através de acontecimentos casuais e imprevisíveis, como uma brisa matinal que te leva a vinte anos antes...

E não só os tempos se encavalam, mas também o pessoal se mistura com o político, o individual com o coletivo, porque assim é, de fato, a vida. Se há um realismo que possa ser captado pela ficção (tema de importante debate dentro do modernismo), é justamente esse aspecto. E é isso também o que confere complexidade e profundidade aos personagens. Ainda que os conheçamos apenas a partir de fragmentos de seus próprios pensamentos ou dos pensamentos dos outros sobre eles, temos a impressão o tempo todo de familiaridade não apenas com Clarissa, mas também com Richard, Peter, Sally, Septimus, Rezia e até mesmo com a moça que acabara de chegar à cidade para trabalhar ou o guarda de trânsito que parece não compartilhar dos mesmos ideais políticos que uma conterrânea que ele identifica de longe.

Em “Mrs. Dalloway”, características próprias do modernismo britânico, como o fluxo de consciência e a sobreposição de camadas temporais, se misturam a características específicas da escrita e da experiência de Virginia Woolf, bem como sua própria percepção de mundo. Nesta história aparentemente despretensiosa – afinal, diriam seus contemporâneos e, infelizmente, vários dos nossos, o que pode haver de tão importante em um dia na vida de uma mulher da classe alta? –, somos levados a refletir sobre o impacto social da guerra, a política em nosso cotidiano, as relações entre militarismo e patriarcado, saúde mental e estigmas a ela relacionados, sexualidade e representações de gênero, entre muitas outras possibilidades oferecidas por esse texto que, assim como um fluxo de pensamento, parece apresentar mais e mais camadas conforme a atenção que lhe dispensamos.


* Elisielly Falasqui é Mestra em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente desenvolve pesquisa de doutoramento no Programa de Pós-Graduação em História da Unicamp, com foco em história das mulheres na Primeira Modernidade. e atua como mediadora associada do Literistórias.

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